Ei! Triste senhora,
envolta em manto de pranto,
em tão triste hora
que má sorte lhe valeu.
Estava eu no exato momento
que teu vívido rebento,
suspirou e feneceu.
Quando não havia mais cor,
vi se esvaindo o amor,
que de ti emanado,o concebeu.
Escute, te desconheço,
mas não te assuste,
pois estava desde o começo,
da desgraça que lhe acometeu.
Mas ainda em mim pulsa,
a força encadeada, não avulsa,
que seu filho me remeteu.
Sei que nunca mais lhe abraçará,
nem lhe encherá de puro amor,
este seu filho que agora no céu floresceu.
Mas escute, nem que pouca luz resulte
o que a dizer-lhe tenho eu:
Do mundo foi triste dolo,
mas resta o consolo
deste anjo que recém em outro mundo
nasceu.
Aqui neste mundo parece perdida
mais uma amputada vida,
que nem ao menos lhe conheceu.
Mas pense que quanta lágrima
triste e perdida
não mais será vertida,
depois desta partida
deste filho querido seu.
Em cada órgão que doou
uma mãe consolou,
e outro filho não se perdeu.
Por isso que ele não sofreu,
apenas voou e concebeu,
vidas multiplicadas
por células doadas.
Veja quanta vida dele nasceu!
Por isso a alma do teu filho sorria,
no momento que partia
transmitia vida nova e sadia
para filhos assim como o seu.
Por isso olhes para o céu,
te cubras de brilho, não mais de fél
pois teu filho já sofreu, expiou,
e generoso não morreu.
Agora é anjo voando no firmamento
sorrindo a cada momento
que respira outro filho
com um órgão seu.
E tu és mãe brilhante
deste teu filho, da vida amante,
transbordante de amor
por seres que nem conheceu.
Abraço-lhe com todo meu coração,
tenho em seu filho um irmão,
também tenho orgãos em doação,
Assim mesmo depois de morta,
deixo aberta esta porta,
para curar outro irmão.
Que pulse sempre o amor,
meu coração está em dor,
por ti em comiseração
e por teu filho,
em consideração.
O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente. /E os que lêem o que escreve,/Na dor lida sentem bem, /Não as duas que ele teve,/ Mas só a que eles não têm./E assim nas calhas de roda/Gira, a entreter a razão,/Esse comboio de corda/Que se chama coração. Ricardo Reis
10.05.2009
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Quem sou eu
- Tropeços Literários
- Eu sou o fio que liga os pensamentos... o cio dos momentos de afeto... sou o furo no teto... que deixa ver as estrelas... sou a última... não as primeiras... fico no fim da sala... acalmando a alma... que não cala... silenciosa em desatino... sou as palavras sem destino... voando pela goela... sou a alma que berra... o sentimento insano... sou boneca de pano... na infancia da pobreza... sou o louco que grita... as verdades para a realeza... é sou eu... espelho torto do mundo, amor de Prometeu, fogo ao homem, fome de pássaro pontual e solução de caduceu...
2 comentários:
Olá, Ana Laura:
Não podia ignorar este seu belíssimo poema. O conteúdo é extremamente delicado. Sempre achei estas histórias são incríveis, e nutro especial atenção por estas pessoas que foram escolhidas ao acaso pelo infortúnio. É inútil tentar explicar o inexplicável.
Abraço
António
Olá, Ana Laura:
Ontei tentei deixar-lhe um comentário sobre este belíssimo poema. O tema é bastante delicado. Ouvindo as histórias incríveis que me contam sobre este assunto, concluo sempre que sou uma pessoa afortunada. Um pode pode não curar definitivamente a ferida, mas que ajuda a sarar, ajuda. Nem que seja para pensar que alguém sabe da nossa dor.
Obrigado pelo poema no meu espaço
Abraço
António
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